O BULLYING ESCOLAR E A FERIDA IDENTITÁRIA

08-10-2017 15:56

O BULLYING ESCOLAR E A FERIDA IDENTITÁRIA

 

Fernando Carlos Pereira[1]

 

RESUMO

 

Este estudo tem como pressuposto que a criança que passa grande parte de sua vida dentro da escola e tem a formação de sua identidade neste ambiente, pode sofrer alterações ou até mesmo ter suas vidas afetadas no contato e na vitimização da violência escolar através do bullying. Na formação da identidade da criança, momento em que se reconhece como um ser único, um indivíduo, é responsabilidade de a escola mostrar o caminho correto para que esta não venha a sofrer agressões que poderá fazer com que tenha uma ferida identitária e a leve para a vida toda. A escola precisa através de seus agentes estarem atenta no ocorre dentro de suas fronteiras, para que depois não seja taxada de omissa no seu papel de construtora de identidades. Temos que olhar para o futuro com esperança, de que haverá uma escola melhor, repleta de paz. E para isto precisamos envolver todos nesse processo, pois quando todos pensam, comparam e concluem, certamente teremos a construção de uma cultura de paz para a nossas escolas e para nossas crianças.

 

Palavras-Chave: Bullying. Identidade. Ferida Identitária. Intervenção. Repressão. Combate ao bullying escolar.

 

ABSTRACT

 

This study is the assumption that a child who spends most of his life within the school and there has their training, may change or even have their lives affected in contact and in school violence victimization through bullying. It is the responsibility of the school to show the correct path that this aggression will not suffer that may cause a wound that has identity and lightweight for life. The school needs through its agents are attentive to occur within its borders, so then it is not taxed remiss in his role as a builder of identities. In addition, for this we need everyone involved in this process, because when everyone thinks, compare and conclude, we will certainly have to build a culture of peace for our schools and for our children.

 

Keywords: Bullying, Identity, identity Wound, Intervention, Prevention, Suppression, Combat of school bullying.

 

 

INTRODUÇÃO

 

          Um dos maiores desafios da escola e de educadores na atualidade são: a descoberta e o combate do bullying escolar, por esta razão decidi abordar o tema, a partir de fontes bibliográficas, para que encontrássemos uma resposta diante de tão grande problema e que nosso caminho fosse iluminado para responder às inúmeras perguntas que permeiam esse assunto tão presente na educação.

Barbosa (2011, p.33) afirma que “as crianças passam uma grande parte de sua vida na escola. O fenômeno bullying, mesmo não sendo novo nestas instituições, afeta muitos estudantes; no entanto é uma realidade para muitos ignorada ou desconhecida”.

            Assim, é na escola o local onde a criança passa grande parte de sua vida, percebi que autores diferentes tratavam sobre o mesmo assunto e assim formavam um conjunto de ideias que poderiam ser convergidas para uma pesquisa ampla.

Na verdade, o entendimento do tema envolve tanto educadores, sociólogos e filósofos em torno de questões que de certa forma estremecem os alicerces da educação.

            Gostaria de enfatizar o papel pedagógico que o estudo sobre bullying pode exercer em nossa jornada, aliás, isto porque o tema nos envolve de alguma forma, direta ou indiretamente.

            Dentro e fora da escola, veremos as consequências das ocorrências de bullying na fase inicial da formação da criança e que isto pode trazer feridas irreparáveis na vida e em sua identidade.

             Alguns pontos que abordaremos neste trabalho: Bullying, o que é e como se dá o processo; como identificá-lo; a intervenção pelos responsáveis pela formação cognitiva, sociológica e identitária da criança; prevenção, repressão e o combate no bullying no ambiente escolar.

 

1 BULLYING, CONHECENDO O FENÔMENO.

                                                                      

Para entendermos um pouco sobre o tema, bullying, é um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida conforme afirma Calhau (2011, p.6).

 

Estudos sobre bullying apontam que tudo começou com os trabalhos do professor Dan Olweus numa de suas investigações sobre tendências suicidas em adolescentes (1978 a 1993) e com a campanha Nacional Anti-Bullying nas escolas norueguesas.  (SILVA, 2009, p.20)

 

O estudo do fenômeno bullying e a criação do termo tiveram início em uma pesquisa de suicídio entre adolescentes, conforme nos aponta o Silva (2009).  Fica claro que por algum motivo as coisas estavam fora de controle, e que era preciso fazer algo, definir de forma clara o que estava passando entre os adolescentes.

Mesmo que o bullying já estivesse presente na escola há muito tempo, foi só então nos anos setenta que tudo começou a ser investigado e analisado de forma analítica e sistemática.

Ele está mais perto de nós do que imaginamos, camufladas em falsas brincadeiras, que tem um poder de destruir vidas, levam crianças a se tornarem solitárias, distantes, desinteressadas e por fim agressivo. Estas por serem tratadas de forma agressiva, em outro momento passam a ser uma pessoa que não tolera coisa alguma, tudo será motivo para palavras duras, agressões físicas e morais não se importando em nenhum momento com o bem-estar do outro, pois entende que nunca ninguém também se importou com ela.

 

O fenômeno bullying, suas formas de manifestação, prevalência e prevenção, enquanto outros buscaram relacionar algum aspecto do fenômeno com outras variáveis, tais como: variáveis escolares, familiares e demográficas, dimensões subjetivas e comportamental e percepção dos educadores. (BARBOSA, 2011, p.16)

 

Quando percebemos que existe sim um problema a ser resolvido pela escola, muitas vezes por tabus e outras barreiras, acaba deixando de lado, abafando aquilo que deveria ser resolvido de imediato.

Por hora, como vemos a citação de Barbosa (2011), relaciona o fenômeno bullying a outras causas e efeitos da própria educação ou por algum problema familiar.

Só que no caso da identificação do bullying, não somente o educador deverá estar atento nos indícios de que algo errado está havendo entre os alunos, ou na escola.

É muito comum conversarmos com alunos e sentirmos se este está envolvido em casos de bullying, visto que a agressão, seja ela física, moral, verbal ou psicológica, sempre se dá de forma continuada entre os pares, e o pior de tudo, é intencional.

 

Trata-se assim de comportamento agressivos exercidos por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos sobre outro e pode compreender práticas tais como... chatear/pegar constantemente com colegas; insultar relativamente a sua forma de vestir; à sua raça, ou seu corpo; levantar rumores, contar histórias sobre o (a) colega para que outras crianças não lhe falem ou brinquem mais com ele(a); ameaçar, amedrontar; extorquir dinheiro; bater, empurrar, pontapear, etc.. (BARBOSA, 2011, p.35).

 

O professor deve compreender que a atitude de praticar violência com o colega, em tomar uma atitude de bullying, de encontrar uma forma de denegrir a imagem da vítima, deixando com que este esteja a cada dia mais isolado do convívio com os colegas e com a própria escola, vem ocorrendo de forma gradual, não de uma só vez, até que a vítima não suporte mais e se afaste por completo do ambiente escolar.

Não podemos entender ou compreender o bullying como algo natural, como se fosse um momento espontâneo da criança, nem como brincadeiras infantis, isto pelo fato que é uma violência contra o colega, e suas consequências trazem marcas que podem ficar por toda a vida.

A vítima de bullying por ocasião de encontro onde todos estão reunidos, estes permanecem afastados, intimidados a se aproximarem para não serem enxovalhados e diminuídos a ponto de sentirem a amargura de ter que ir para novamente ao ambiente onde estão sendo hostilizados que é na escola.

 

Todos nós precisamos entender que o bullying está relacionado com poder. Quando identificamos, por exemplo, dois estudantes brigando, e não existe um desequilíbrio de forças, isto é, ambos são munidos de capacidade física e psicológica semelhantes, e não há uma simetria nessas relações de poder, não estamos lidando com o bullying. Então, o comportamento bullying sempre segue um padrão: uma relação desigual de poder em que um ou mais alunos tentam subjugar e dominar outros... (TEIXEIRA, 2011, p.20 e 21).

 

Então, para que haja uma ação, uma violência que seja precedida de demonstração de poder, ou de dominação, a escola deverá observar o comportamento daqueles que por força física ou de capacidade psicológica e que se diz superior aos outros, para que estes de alguma forma não estejam aproveitando de colegas menores e que haja alguma diferença em seus trajes, porte físico, cultura, religião e de opção sexual.

Terminamos esta primeira parte com um texto, de Freire (1997, p.58), onde afirma que, “não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma como violentados, numa situação objetiva de opressão”.

 

2 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE

Vimos no capítulo anterior à definição e um pouco da história do bullying no cotidiano escolar. Com isso fica uma gritante pergunta em nossa mente: Se a escola é um espaço importantíssimo na vida da criança e é lá que ela terá contato com a violência escolar, como o bullying pode influenciar na formação desta criança, principalmente na sua identidade?

Identidade assunto tão profundo quanto ao próprio processo a ela atrelada, visto que esta começa desde os primeiros anos de vida, onde crianças começam suas descobertas e descobrimentos.

É nesta hora onde a criança inicia-se e se reconhece como ser único, um indivíduo, é claro que não de forma clara e direta como estamos narrando, mas iniciando o processo de auto reconhecimento, que é contínuo, durante toda a vida.

Sobre a definição de identidade na filosofia, Abbagnano (2000, p.528) afirma que:

IDENTIDADE: Gr. Identitas; in. Identity; fr. Identité; [...] Este termo tem três definições fundamentais: 1ª I. Como unidade de substância; 2ª I. Como possibilidade de substituição; 3ª i. Como convenção. [...] A primeira de Aristóteles que diz: Em sentido essencial, as coisas são idênticas quando é uma só matéria (em espécie e em número) [...] A segunda é de Leibniz, que aproxima o conceito de Identidade ao de Igualdade [...] A terceira, de Waismann, esta é a menos dogmática e mais ajustada às exigências do pensamento lógico-filosófico, onde diz que não é possível estabelecer em definitivo o significado de identidade...

Observando a definição do termo “identidade” pelo Dicionário de Filosofia e podemos perceber que até mesmo pensadores não conseguem entrar em consenso.

Na Filosofia a identidade constitui objeto de cogitações por variados pensadores e correntes filosóficas e para a Sociologia, Identidade é o compartilhar de várias ideias e ideais de um determinado grupo. Alguns autores, como Karl Mannheim, elaboram um conceito em que o indivíduo forma sua personalidade, mas também a recebe do meio, onde realiza sua interação social. (ABBAGNANO, 2000, p.528)

Sendo assim, o autor nos mostra que, existe uma gama de estudiosos que teceram estudos e teses para definir de forma dogmática o termo identidade. Filósofos e sociólogos que em busca da identidade  humana, foram os que deram início às discussões sobre o sentido no mundo. E todos eles viam na educação um meio necessário para o alcance de uma cultura ideal e de uma alma purificada, capaz de elevar o homem ao conhecimento inteligível, apostando na busca de um ideal artístico de cultura, formando assim a identidade humana.

Não é como Aristóteles e Leibniz afirmaram. Não podemos definir identidade como se fosse algo produzida em série, mesmo sendo todos humanos, da mesma matéria, não temos a identidade idêntica, somos seres únicos e em nosso caso as crianças podem até se parecerem, terem os mesmos comportamentos e atitudes, mas na formação de sua identidade, cada uma delas serão indivíduos únicos e protagonistas de suas próprias histórias.

Para Aristóteles, porém, igualdade, eram iguais as coisas “que tinham em comum a quantidade” é o que nos mostra Abbagnano (2000, p.534), se trata de algo que tem a mesma quantidade, sendo assim, o termo não é adequado à identidade, pois jamais poderemos definir identidade olhando a quantidade.

Neste sentido podemos afirmar com convicção que na formação da identidade a ideia principal é a de quem somos e também como as outras pessoas nos veem. Ela então, a identidade, se aprende, se constrói e é construída desde o nascimento.

A criança trará traços de sua família, de sua comunidade social, seus valores, suas crenças e as visões por elas instituídas, tudo isto, certamente farão parte da identidade desta criança. Pela ação e pela interação que esta criança terá desde o nascimento, tijolos serão colocados na construção de sua identidade.

E é na escola, onde a criança passará por todos os tipos de experiências, é ali que construirá os significados para a formação de sua identidade.

Nesta formação a criança que estará permeada por perguntas como: Quem sou eu? Como sou? Encontrará, ou buscará as respostas na interação, utilizando a linguagem e as práticas socioculturais, onde ela aprenderá a identificar-se e a posicionar-se para se relacionar.

E isto começa logo cedo com o bebê, percebendo-se como sujeito e obtendo consciência corporal no desenvolvimento e na organização de seu espaço, mesmo estando ligada a figura materna e não compreendendo os limites que os separam.

A criança explora o seu redor vivendo as sensações e percepções das suas descobertas, sendo este o fator essencial para que ela se identifique como alguém diferente do outro.

A formação da identidade emprega um processo de reflexão e observação simultânea, um processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, pelo qual o indivíduo se julga a si próprio à luz daquilo que percebe ser a maneira como os outros o julgam, em comparação com eles próprios e com uma tipologia que é significativa para eles; enquanto que ele julga a maneira como eles o julgam, à luz do modo como se percebe a si próprio em comparação com os demais e com os tipos que se tornaram importantes para ele. (ERIKSON, 1972, p.21)

Erikson (1972) deixa muito claro que é preciso atentar para o processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, pois a criança no momento da formação de sua identidade copiará tudo aquilo que estiver ao seu redor, comparando e trazendo para a sua formação o que “julgar” ser importante para ela.

Esse “julgar” da criança, é claro, não tem a mesma dimensão de um julgar de um adulto que sabe filtrar o certo e o errado, o ético e não ético. A criança por sua vez, não tem em si mesma (ainda) fonte de informação suficiente para poder fazer essa filtragem, e é por isso que às vezes, crianças têm sua formação prejudicada por atos de adultos que estão ao seu redor e não atentam para o momento importantíssimo em que a criança está vivendo.

...a identidade de uma pessoa é o que ela tem de mais valioso: a perda de identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte. Ora a identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no nascimento: ela é construída na infância e, a partir de então, deve ser reconstruída no decorrer da vida. (DUBAR, 2005, p.XXIV)

A inserção de valores errados no momento da formação da criança a levará a um desastre com consequências que podem não ser corrigidas no futuro. Dubar (2005) cita “morte” quando da perda da identidade, parece-nos um tanto dramático, mas é uma realidade. Nossas crianças hoje, quantas delas ao chegarem à sala de aula, trazem consigo, mesmo ainda tão pequenas, traços de violência, se portam de maneira que revelam um lar cheio de problemas e que de início já afetou também a formação desta criança.

Angustiadas por não terem recebido a devida atenção na hora da formação de sua identidade, essas crianças levam para a escola toda pressão para que esta a recupere ou reconstrua essa identidade que está destruída antes mesmo de ser formada em sua totalidade, como afirma Dubar (2005, p.XXIV), “o indivíduo jamais a constrói sozinho: ele depende tanto dos juízos dos outros quanto de suas próprias orientações e auto definições. A identidade é produto das sucessivas socializações”.

Não existe formação de identidade, agindo só, individualizado, sempre haverá outras pessoas envolvidas no processo, podemos até ver em adultos uma forma individualizada de vida, isto pode ser uma ferida que se formou na construção de sua identidade quando ainda era criança e estava em formação.

Inconscientemente, nos adaptamos a essa interpretação do mundo e ela permanecerá como a única para nós, a criança certamente usará tudo que estiver ao seu redor para formar suas definições de mundo e de sociedade. E para isto observa, se socializa e inteiramente dependente dos outros para sua formação.

O termo socialização, aplicado à criança, designa um dos objetos essenciais da psicologia genética. A literatura consagrada ao desenvolvimento da criança é imensa, e constitui uma reserva importante de resultados e de análises empíricas para a teorização dos processos de socialização. (DUBAR, 2005, p.3)

É neste sentido, de socialização, que a escola por intermédio de seus agentes, terá uma função importantíssima na hora da construção da identidade da criança, pois ela, além de ser a norteadora para uma formação ética e moral, mostrando que a violência não pode estar inserida nesta identidade, ela também terá o papel de reconstrutora de identidades feridas, quebradas.

Na atualidade isto não é raro, vivemos na era das crises, moral, financeira e porque não dizer de identidades.

Nossas crianças precisam de nós educadores, pois temos o papel de condutores nesta estrada tão esburacada, onde as famílias esfaceladas pelas questões morais deixam seus filhos de lado para atentarem para suas próprias necessidades de trabalho, de relação, de socialização, marcando a fogo as identidades de seus filhos.

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume três, mostra-nos que a criança precisa ter conhecimento de mundo, e ela quando chega à escola já possui um pré-conhecimento do mundo em que vive, ela traz toda cultura e aprendizagem que captou dentro de seu círculo de vivência. Cabe à escola apresentar de forma clara, esclarecedora e comparativa o mundo a qual a criança faz parte e já traz consigo parte dele, conseguida através da socialização em família, comunidade e todos aqueles que estão ao seu lado. Mas ainda assim ela tem muito que aprender e ainda tem muitas necessidades para que possa formar a sua identidade.

Literalmente podemos encontrar inúmeras teorias sobre identidade, pelo fato de que pensadores e estudiosos se referem a ela com a visão ligada diretamente a sua área de conhecimento, seja a antropologia, a filosofia, a sociologia, entre outras.

Mas nos filiaremos à definição de Dubar (2005), que mostra que a identidade é o bem de maior valor, sendo que a sua perda, gera neste indivíduo, alienação, sofrimento, angústia e até morte, isto no sentido de anomia.

É fato, quando uma criança passa por uma situação de bullying, perdendo completamente a sua autoestima, fica em estado de falta de objetivos, perdendo por completo a seu desejo de estar entre as outras crianças e se integrar ao grupo.

3 O BULLYING E SUAS CONSEQUENCIAS, A FERIDA IDENTITÁRIA.

 

Iniciamos o terceiro capítulo trazendo as consequências que o bullying causa nas vidas, principalmente naquelas pela qual estão em formação de suas identidades. Crianças indefesas que por estarem em uma fase onde copiam as ações daqueles que estão ao seu redor, certamente formatarão que o bullying é algo natural.

 

O bullying traz consequências graves e abrangentes. Para as vítimas, promove, no âmbito cognitivo, o desinteresse pelos estudos, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento intelectual, o absenteísmo, a reprovação e a evasão escolar. (MELO, 2010, p.34)

 

A pior face do bullying é o de ser uma violência velada, muitos sofrem sozinhos, pois ao seu redor as pessoas não dão conta de que elas estão passando ou sofrendo, como o autor afirma, aqueles que são vitimados por esta violência, tem sua vida transformada, levando-o a perda irreparável tanto intelectual, moral e física.

A criança que sofre bullying na escola pode levar consigo uma ferida identitária por toda vida. Pode ser que esta ferida não tenha nenhum sintoma durante a vida, mas em muitos casos extremos os sintomas e as consequências se apresentam de forma graves e até gravíssimas.

 

Neste capítulo quero apresentar algumas circunstâncias no que a prática do bullying pode acarretar em casos mais extremos. No episódio de Columbine, nos Estados Unidos ou de Tiuve, no interior de SP: Alunos sofriam intimidação e exclusão escolar, e a arma foi à forma que encontraram para suportarem esta situação. Neste episódio, vários alunos foram mortos. O que nos faz acreditar é que os autores da catástrofe queriam acabar com a escola, lugar que os faziam sofrer todos os dias. No interior de São Paulo, também houve um caso desse tipo. Um rapaz entrou atirando na escola e se suicidou depois. Ele era discriminado por ser gordo e pobre. Hoje estas marcas podem aparecer em adultos que passaram por isso na infância e juventude. (SILVA, 2009, p.46)

 

               A ferida identitária formada pela prática do bullying escolar deixa cicatrizes difíceis de serem apagadas, ou algumas, impossíveis.

            É por isso que é muito comum vermos na mídia o que a autora narra em seu livro, episódios de violência dentro da escola, apresentada de forma gratuita e com demonstração de crueldade, como se o praticante da violência tivesse uma necessidade de autoafirmação, tem-se a impressão que a violência é para destruir o local onde o sujeito foi vitimado pelo bullying.

            Em muitos casos a ferida identitária age de forma silenciosa, não mostra sua força, não deixa vir à tona a sua ânsia por vingança. E é por isso que crianças que sofrem bullying ficam distante, afastadas das outras, e quando se tornam adultos, não conseguem terem uma vida social normal como as outras pessoas.

            Acabam por não se adaptarem no trabalho, tornam-se violentos em casa, envolvendo-se com alcoolismo e drogas, isto para amenizar a dor em que a ferida identitária lhe traz todos os dias.

            Silva (2009, p. 47 e 48) deixa uma lista de sintomas daqueles onde à ferida identitária está se formando. Os indicadores são: demonstra falta de vontade de ir à escola; sente-se mal perto da hora de sair de casa; pede para trocar de escola; revela medo de ir e voltar da escola; pede sempre para ser levado à escola; muda frequentemente o trajeto entre a casa e a escola; apresenta baixo rendimento escolar; volta da escola, repetidamente, com roupas ou livros rasgados; chega muitas vezes em casa com machucados inexplicáveis; torna-se uma pessoa fechada, arredia; parece angustiando, ansioso, deprimido; apresenta manifestações de baixa autoestima; tem pesadelos frequentes, chegando a gritar “socorro” ou “me deixa” durante o sono; “perde”, repetidas vezes, seus pertences, seu dinheiro; pede sempre dinheiro ou tira dinheiro da família; evita falar sobre o que está acontecendo, ou dá desculpas pouco convincentes, “esfarrapadas” para tudo e tenta ou comete suicídio.

            É claro que muitas desses sintomas, podem ser causadas por diversas enfermidades, que não tem ligação alguma com o bullying, mas é importante entendermos que na manifestação de muitos desses, conjuntamente, é indício de que algo errado está acontecendo à criança e certamente terá uma ferida sendo formada dentro de si.

            As sequelas (feridas identitárias) podem ser físicas ou emocionais onde a vítima pode não dar sequência a sua carreira de vida com sucesso por ter uma autoestima ruim, se sentindo pequeno e incapaz de alcançar seus sonhos ou construir seus projetos, por outro lado podemos ter vítimas do bullying que por vingança ou desabafo, também se tornam agressoras.

            A destruição da autoestima da criança pelo bullying influencia na formação de sua identidade, pois seus sonhos são destruídos, seus projetos enterrados fazendo com que se torne infeliz.

            O agente do bullying geralmente atinge a área mais sensível da vítima e quando percebe isso, usa como arma para destruí-la. A vítima é convencida que não consegue, pois é pequena, feia, burra, gorda e assim por diante, tornando-se refém tanto do agressor como do bullying.

            Sendo assim, a ferida identitária, muitas vezes só é reforçada pelo agressor, onde torna os rótulos e as afrontas que já estão presentes na vida da vítima e que são trazidas de dentro de sua própria família.

           

4 AÇÃO REFLEXIVA

 

Se temos visto que a prática do bullying está presente em nossa sala de aula, em nossa escola, devemos tomar alguma atitude.

 

Os lugares, como a escola, onde adultos e adolescentes interagem, enfrentam-se perseguem objetivos, devem ser caracterizados como um clima educacional positivo e devem dar importância ao aspecto relacional, que tem um peso subjetivo, ou seja, um significado importante e reconhecível, especialmente para os jovens. (MELO, 2010, p.56)

 

O importante é que agentes da educação, ou seja, gestores, professores, profissionais da educação e funcionários, devem ter um olhar além do que se vê o que antes era visto como comum, hoje precisa de uma atenção especial, trazendo para a escola como afirma o autor, ter neste lugar um significado especial.

Um aluno quieto demais, motivo de chacota o tempo todo, o valentão que intimida os colegas, a criança que aparece com materiais destruídos ou não quer mais estudar e diminui seu rendimento escolar, podem ser indícios de que alguma coisa não anda bem.

Os sinais acima são apenas alguns dos que vivenciamos na escola, mas quando visto somente como algo comum da idade, exagero da criança ou da família, isso pode alimentar o bullying.

O estudo do bullying se faz necessário para romper com o modelo de resolução de conflitos que cultua a exploração dos mais fracos ou dos diferentes e que tem como motor a intolerância ao próximo. Precisamos dar um basta a esse sofrimento silencioso das vítimas, estendendo as mãos a estas, auxiliando-as para o curso normal de suas vidas, e ao prazer de viverem suas potencialidades com o próximo. (CALHAU, 2011, p.95)

 

A compreensão do que o autor nos orienta é primordial, visto que, é preciso que os movimentos na escola devam sempre ser motivos de investigação para o bem de todos e, nem sempre estamos falando de crianças mimadas ou exageradas, todo comentário ou comportamento merece atenção.

Uma das maiores queixas de alunos que sofrem bullying é que “eu tentei dizer, mas você não me ouviu” ou “todo mundo sabia”, sendo assim, é preciso que todos os envolvidos no ambiente escolar percebam do que está ocorrendo, pois não se pode comparar bullying com criança mal-educada, com indisciplina, falta de respeito e brincadeiras de mau gosto.

É preciso ficar atentos, para não sermos chamados de omissos.

 

CONCLUSÃO

 

            Chegamos assim ao final de nossa caminhada que nada mais é do que um simples começo. O importante não é olhar para as dificuldades com apatia, mas olharmos com a esperança de construirmos um mundo mais digno para a vivência do homem.

 

..., se quisermos construir uma sociedade em que a violência seja repudiada, é necessário que o olhar das autoridades esteja voltado à educação, pois é aí que se deve iniciar o processo de pacificação. Para isso, sugerimos que os profissionais que trabalham como educadores sejam preparados para lidar com as suas emoções e educar as emoções dos alunos, dando lugar, em suas aulas, para a expressão de afeto – com isso, aprenderão a lidar com seus próprios conflitos e com os mais diversos tipos de violência, especialmente o bullying... A educação, portanto, é o caminho que conduz a paz. (FANTE, 2005, p.213)

 

               É preciso conclamar a todos os que podem ajudar, para que juntos em uma corrente tenham forças suficientes para mudar o mundo pela qual pertencemos (a escola), e se transformamos este mundo, atingiremos outros mundos, como a família, a comunidade, e então, haverá uma melhora significante em relação à violência, seja ela escolar ou não.

            A escola mostrando, preparando, educando as emoções de seus alunos os levará a compreender e a lidar com seus próprios conflitos, é isto que nos orienta a autora.

E é esta mesma escola que terá o papel de ser norteadora na formação da identidade da criança, no sentido de que o bullying seja identificado, e haja uma conscientização entre todos aqueles que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Somente assim o bullying poderá ser abolido de dentro da escola, como nos mostra Alves (2003, p.66) “o pensamento segue a experiência das mãos. Pensa, compara, conclui. Não é preciso comprar joguinhos para ensinar as crianças”.

O que Alves (2003) nos orienta é que precisamos fazer com que a criança tenha experiências efetivas dentro da escola, mostrando que ela pode ter um papel muito maior do que apenas estar ali para adquirir conhecimento, mas que pode mudar sua maneira de ser e também a de seus colegas.

Uma das ferramentas que a escola poderá usar para alcançar o sucesso são os projetos, esses, onde o aluno será o protagonista, tornando assim responsável na resolução dos conflitos encontrados dentro da escola.

Os projetos podem envolver dança, teatro, música, sempre valorizando as competências e as habilidades dos alunos.

Quando o aluno toma posse da autoria das resoluções de problemas na escola, ele se fortalece e impulsiona mais ele próprio e aos seus colegas, criando no ambiente escolar uma consciência de paz, isto na convivência harmônica com aqueles que são rotulados diferentes, abolindo o preconceito e a discriminação, que são gatilhos para o bullying.

A escola precisa promover debates, palestras, envolvendo as famílias e especialistas para conceituar o que é bullying e o que não é, formando assim, parceiros na construção de uma cultura de paz e de uma escola que seja modelo para a família e para a sociedade.

           

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ALVES, Rubem. Conversas sobre educação. Campinas, SP: Verus Editora, 2003.

BARBOSA, Altemir Gonçalves; LOURENÇO, Lélio Moura; PEREIRA, Beatriz. Bullying Conhecer e Intervir. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2011.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para a educação infantil. MEC, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CALHAU, Lélio Braga. Bullying O que você precisa saber. 3ª Ed. - Niterói, RJ: Impetus, 2011.

DUBAR, Claude. A Socialização: construindo identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

ERIKSON, E.H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying. 2ª. ed ver. e ampl. Campinas, SP: Verus Editora, 2005.

FEARN, Nicholas. Aprendendo a filosofar em 25 lições: do poço de Tales à desconstrução de Derrida. Rio de janeiro: Jorge Zohar Ed., 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

MELO, Josevaldo Araújo de. Bullying na escola. 3ª Ed. Recife: EDUPE, 2010.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying Cartilha 2010 – Projeto Justiça nas Escolas. Brasília, DF: CNJ, Conselho Nacional de Justiça, 2010.

SILVA, Elenice da. Corredores de justiça - Combatendo a prática do Bullying nas escolas, educando uma sociedade para a paz. São Paulo: Edição do Autor, 2009.

TEIXEIRA, Gustavo. Manual antibullying para alunos, pais e professores. Rio de Janeiro: Bestseller, 2011.



[1] Mestrado em Teologia pela Faculdade de Educação Teológica do Estado de São Paulo; Pós-Graduação em Gestão Educacional e Pós-Graduação em Sociologia e ensino da Sociologia pelo Centro Universitário Claretiano;  Bacharel em Teologia (Princípios Evangélicos) pela Faculdade Teológica de Boa Vista – RO;  Bacharel em Teologia (Princípios Católicos) pelo Centro Universitário Claretiano;  Licenciatura em Filosofia – Centro Universitário Claretiano;  Segunda Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Metodista de São Paulo.  Atualmente é Coordenador do Polo Guaratinguetá – SP da Universidade Metodista de São Paulo. prof.fernandopereira@hotmail.com

Fonte: https://uniesp.edu.br/sites/guaratingueta/revista.php?id_revista=31#

 

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